Comecei a ver coisas que mais ninguém via quando era pequeno, por isso não tinha amigos porque todos me achavam assustador quando descobriam que eu era diferente.

Mas, ver as coisas era o menor dos meus problemas, eu como que conseguia conhecer o futuro e as coisas que aconteceram no passado.

Eu sabia quando a avó ia morrer. O médico disse à mãe que a avó iria recuperar, mas enquanto eu estava ao lado da avó, na sua cama de doente no hospital, vi-a sair do corpo.

Mais ninguém o fez, e ela despediu-se de mim.

Não muito depois de ela morrer.

Sabia também que a nossa empregada geralmente roubava o dinheiro da mamã. Não precisava de a ver a roubar, só sabia disso e até da quantia que ela roubou.

Mas cada vez que a minha mãe me perguntava se eu sabia quem lhe tinha roubado o dinheiro, eu dizia sempre que não.

Quando tinha dez anos, tive o meu primeiro e único melhor amigo, o Adé. Era filho do nosso vizinho, por isso via-o praticamente todos os dias.

E por mais novos que fossemos, não conseguíamos passar um dia sem a companhia um do outro.

Eu e o Adé ficámos tão próximos que uma vez ele encostou os lábios aos meus porque disse que os tinha visto fazer isso nos filmes que a mãe via com frequência.

Ficámos tão próximos que eu lhe contei. Contei-lhe as coisas que vi, as pessoas que vi, as memórias que tinha de um lugar onde tenho a certeza de nunca ter estado.

Pensei que o Adé iria entender

Talvez continue a ser meu amigo, mas soube imediatamente disso, virou costas e fugiu para a sua casa.

Sem me despedir, fiquei no mesmo lugar a observá-lo enquanto um ano me descia pelos olhos.

A partir daí, ele evitou-me.

Embora me sentisse mal, não me sentia tão sozinho porque os meus amigos costumavam visitar-me para brincar comigo.

Mas voltei a ser o assustador.

Depois do Adé, fiz alguns amigos em diferentes momentos da minha vida, mas todos me abandonaram.

Eu era demasiado diferente para ter amigos.

A dor de perder tantos amigos fez-me mencionar a minha situação à mamã

Contei-lhe sobre os visitantes que vinham principalmente ao pôr do sol. Ela ficou preocupada e levou-me a uma igreja para libertação.

Ao entrar na igreja, encontramos uma multidão de pessoas.

O auditório da igreja era grande, maior do que o da minha escola, mas o ar estava denso de suor e quente.

Tudo isto, embora me tenha apercebido, pouco me dizia porque o meu objetivo era ser livre e ser igual a todos os outros.

“A sua filha está possuída”, disse o pastor quando finalmente saímos para receber oração.

"E ela deve ser entregue...", disse com tanta certeza

Assim, garantiu à minha mãe a minha salvação após a libertação. Fui entregue no altar.

 Depois disso, disse que eu estava livre do espírito mau, mas nessa mesma noite ainda os vi, os meus amigos.

Como as coisas que vi assustaram a mãe e o pai, decidi não falar mais sobre o assunto com eles.

Nesta noite chuvosa, tive uma sensação sinistra, mas simplesmente não sabia porque é que isso acontecia.

O pai não tinha voltado do trabalho e a mãe estava ocupada a preparar o nosso jantar. Inicialmente ajudava-a na cozinha, mas quando já não precisou de mim fui para o meu quarto com um pouco de sono.

Enquanto estava deitado na cama, tive a mesma sensação de arrepios de que a morte estava à espreita, a mesma sensação que tive quando a avó morreu, por isso rezei porque a mãe disse que eu devia sempre fazer isto antes de dormir. Agradeça-me enviando um pedido de amigo.

Quando me acomodei na cama, adormeci logo.

Embora estivesse a dormir, senti uma vibração gradual nas pontas dos dedos dos pés e logo senti todo o meu corpo a vibrar suavemente.

Numa questão de segundos, não estava realmente acordado, mas ainda assim conseguia ver-me. Conseguia ver o meu corpo deitado na cama.

A minha alma tinha deixado o meu corpo.

Eu sabia que não estava morto porque um cordão prateado me ligava ao meu corpo.

Logo vi o meu pai no seu carro pela via rápida.

Enquanto conduzia, vi que os seus travões falharam e pareceu perder o controlo do volante por algum motivo.

Teria atravessado a ponte de cabeça para uma morte certa

"Papá!" , gritei de susto, mas ele não me conseguia ouvir.

Flutuei para dentro do carro e segurei o volante, mas o carro continuou a mover-se.

Comecei a desejar que o carro parasse e ele parou pouco antes de cair da ponte.

O papá não me conseguia ver, não conseguia ver que eu o tinha salvo

"Ada! Acorda, acorda!!". Acordei da cama com um sobressalto quando a mamã me bateu

"O teu pai acabou de me ligar a dizer que escapou de um acidente!"

Um sorriso formou-se gradualmente no meu rosto quando respondi: “Eu sei”

 Berkins Daniel