O papá tornou um ritual anual para todos nós visitarmos a casa dos seus pais durante as festividades de dezembro.

Este ano não foi exceção. Chegámos a casa dos seus pais quase ao anoitecer no seu carro novo. No caminho para lá, uma pequena multidão de pessoas, incluindo crianças magricelas, todas chamadas de papá pelo título de "van Eze Buillion". Quando chegámos a casa da avó, algumas pessoas já lá estavam à nossa espera.

A forte rotação do motor do nosso carro alertou a avó de que estávamos por perto, porque ela saiu a correr pela porta da frente aberta para nos cumprimentar.

Exibia sorrisos tão largos que os seus olhos se estreitaram em fendas. Se ela tivesse sorrido um pouco mais, eu tinha a certeza de que os cantos dos lábios lhe tocariam nas orelhas.

Ao ver o novo SUV do pai em que entrámos, a avó começou a abanar ritmicamente a cintura e a cantar alto, com uma voz que para mim soava a brasas a crepitar no fogo. As suas canções atraíam outras pessoas presentes para ver o espetáculo que era o carro novo do papá.

Logo vieram a zumbir à volta do carro e a fazer comentários como: "Omaka, este di kwa caro o", antes de se aproximarem do papá e lhe apertarem a mão e entoarem coisas como "Ego di kwa di nu di" ou "van de ouro" .

Enquanto isso, o papá apenas sorria e respondia distribuindo-lhes maços finos de notas de naira. “Usa isto no Natal”, dizia o papá. E às crianças que se juntavam à nossa volta usando roupas surradas, com paus esqueléticos no lugar das pernas, cabeças tão grandes que imaginei que fossem demasiado pesadas para elas e narizes a pingar que nunca secavam, deu notas de 200 nairas a cada um e disse: "É de Jesus ".

A minha mãe apenas observava e sorria enquanto a avó tentava afugentar as crianças. Eu e o Emmanuel apenas assistimos a toda a cena com expressões vazias.

Não demorou muito para que a pequena multidão que se infiltrava no complexo começasse a diminuir. E só nós e a avó ficámos sozinhos.

Nós cumprimentamo-la. Com um sorriso, baixou-se um pouco e envolveu-nos no caloroso abraço dos seus grandes braços flácidos. Ela cheirava a fumo e a comida.

A mamã e ela iniciaram então uma conversa amigável. Abraçaram-se e ela tocou na barriga. "E di mim?", perguntou à mamã.

O que quer que isso significasse, eu não sabia até que a mãe respondeu: "Já estou há três meses". A notícia causou uma nova onda de excitação e a avó iniciou outro movimento rítmico de cintura.

As pequenas multidões depressa diminuíram tão rapidamente como chegaram e fomos jantar com a avó.

O jantar foi sopa Okazi e Fufu batido tão macio e suave que tinham a mesma suavidade exuberante que eu imaginava que cada objeto redondo no peito de uma mulher teria.

Comemos e a avó contou-nos todos os pormenores. As últimas notícias sobre casamentos, mortes e celebrações de pessoas. A avó parecia conhecer todos os que estavam bem e aqueles cujos filhos tinham viajado para o estrangeiro. A mamã e o papá ouviram com muita atenção. Eu podia dizer que eles gostaram de toda a conversa.

Com a comida ainda agradável no nosso estômago, fomos para a cama. Eu e o meu irmão no mesmo quarto em que sempre ficamos. A avó dormia sempre no andar de baixo. Tinha uma queda por escadas e alturas.

O quarto que sempre utilizei proporcionava-me uma boa vista do complexo. Assim, enquanto todos dormiam, observei novamente para ver se isso iria acontecer.

E isso aconteceu.

Todas as noites, desde os oito anos, espreitava pela janela do meu quarto e via um grupo de três mulheres idosas - dedos nodosos como paus, cabelos grisalhos que pareciam tão despenteados e rostos salpicados de tantas pintas e sardas que eram irreconhecíveis. Usavam roupas pretas e despenteadas e ficavam em posição semicircular o tempo todo.

Cada vez que espreitava, havia sempre o mesmo lugar, à mesma hora da noite. Fiquei assustado porque ninguém, nem mesmo o nosso porteiro, Harry, que estava sempre a patrulhar o complexo, os viu. Só eu é que fiz isso.

Uma vez, pedi à minha mãe que fosse à janela ver com os seus próprios olhos, mas depois de alguns minutos a olhar sem rumo, ela descartou as minhas palavras, considerando-as os devaneios da minha mente infantil.

“Daniel, vai dormir, vês muitos desenhos animados”, disse ela com leveza. Desde então, não reuni coragem para abordar o assunto com mais ninguém.

Mas desta vez, estava interessado em descobrir quem eram. Ao espreitar, vi que todos tinham assumido as suas posições. Uma coisa que não conseguia perceber era de onde vinham ou como entravam pelos portões trancados.

O medo agarrou-me por dentro, mas eu queria ver quem eram e o que estavam a fazer.

Mas por mais que tentasse, os meus medos não me deixavam levantar e descer da cama. Dormi amontoado em posição fetal na minha cama, com as cobertas a cobrirem-me completamente.

Acordei na manhã seguinte com pedaços de arroz bem preparado vindos da cozinha para o meu quarto. Todos tinham acordado.

A mamã estava ocupada com a avó na cozinha. O meu pai e o meu irmão mais novo não pareciam estar à vista. Devem ter saído para comprar mais alimentos, como ele disse que iria fazer.

Sem ninguém me prestar atenção, passeioFui até ao mesmo local onde vi as três velhas.

O local parecia ter sido arranhado por unhas compridas para enterrar alguma coisa. Baixei-me e comecei intuitivamente a escavar.

Enquanto cavava, toquei em algo leve. Era uma foto.

Puxei para ver que era a foto da minha mãe enterrada na areia. Fizeram buracos em diversas partes do corpo dela.

Cavei mais e tirei uma imagem esculpida de uma mulher grávida juntamente com tufos de cabelo. Um prego foi espetado na barriga desta imagem.

Ao parar para pensar por um momento, percebi que as imagens que tinha desenterrado eram apenas duas delas. Um na nossa casa da cidade e outro que deixámos com a avó.

Devo mostrar à mamã?

© BerkinsDaniel